SE ANGOLA FOSSE UM ESTADO DE DIREITO…

Os participantes do I Congresso Nacional da Magistratura Judicial de Angola defenderam, este sábado, a necessidade de uma maior eficiência, dignificação e modernização dos tribunais, enquanto garante efectivo para acesso ao Estado Democrático e de Direito. Pensar que, no futuro, o país será (ou poderá ser) o que não conseguiu ser em 48 anos de independência, ou seja um Estado Democrático e de Direito já é uma boa perspectiva.

O facto vem expresso no comunicado final do evento decorrido em dois dias, na cidade do Huambo, com a participação de 200 congressistas nacionais e estrangeiros, entre juízes do fórum comum e militar, advogados e académicos, numa iniciativa da AJA – Associação dos Juízes de Angola, sob o lema “O Tribunal e o Juiz: os desafios da Justiça angolana”.

Segundo os magistrados, o Tribunal representa o pilar de um Estado de direito, daí a importância da excelência e da garantia inadiável da tutela jurisdicional, nos termos da Constituição da República de Angola.

O documento lembra ser tarefa fundamental do Estado angolano a criação de condições essenciais, que permitam aos juízes desempenhar a sua nobre função, com dignidade e respeito, pela relevância social que a tarefa impõe.

Para o efeito, alertaram ser urgente a aprovação do estatuto orgânico e remuneratório dos magistrados, que está, actualmente, desajustado à realidade.

Exortam os juízes, enquanto titulares de um órgão de (suposta) soberania, no geral, para uma actuação mais digna para a observância dos deveres plasmados na Constituição angolana e na Lei, e, em particular, no Estatuto dos Magistrados Judiciais, tendo o bom senso nos valores da Justiça.

Apontaram que a confiança dos cidadãos exige e pressupõe novas narrativas, que passam por uma maior abertura, aproximação e transparência dos tribunais.

Discursando no encerramento do congresso, o Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, Carlos Buriti da Silva, disse que o evento representou mais um passo para a assunção da melhoria dos tribunais angolanos.

Disse também que o Tribunal, enquanto instituição com autonomia administrativa e financeira, com autoridade para julgar as disputas legais, de acordo com um Estado democrático e de direito, deve pautar por uma atitude jurisdicional proactiva e sã.

Carlos Buriti da Silva saudou o I Congresso Nacional da Magistratura Judicial, por abordar temas importantes e produzir ideias enriquecedoras, que, certamente, servirão de base para algumas medidas, a serem tomadas para o bem da Justiça angolana.

Durante o evento foram debatidos temas como “O Tribunal no Estado democrático e de direito”, “O juiz no Estado constitucional” e o “O juiz e a gestão processual face ao regime legal do funcionamento dos tribunais”.

O encontro promoveu, ainda, análises e trocas de experiências, entre juízes do fórum comum e militar, bem como auditores de justiça (magistrados judiciais estagiários), incluindo advogados e convidados do Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor Leste.

A AJA é uma entidade privada de âmbito nacional, sem fins lucrativos e, supostamente, sem qualquer orientação político-partidária ou religiosa, constituída a 11 de Dezembro de 2015, à luz do direito angolano, com 400 associados.

A propósito do tal Estado Democrático e de Direito, recorde-se que em Julho deste ano a AJA ameaçou accionar os meios jurisdicionais para reverter a nomeação de juízes de direito, como presidentes de comarcas, pela Comissão Permanente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), por não ter competência para o efeito.

Numa nota de repúdio, a AJA condenou “com veemência” a nomeação de juízes de direito como presidentes das comarcas de Benguela, do Huambo e do Lobito, pela Comissão Permanente do CSMJ.

A AJA realçou que tomou conhecimento “com bastante estranheza e preocupação” do referido acto por deliberação da CSMJ.

“A AJA considera ser pressuposto assente, num Estado de Direito como é Angola, que a actuação das instituições deve pautar pelo respeito estrito do primado da lei e pelo dever de fundamentar as suas decisões”, realçava a nota.

Segundo a associação, aos órgãos do poder judicial, “a quem por decorrência da Constituição e da Lei incumbe a função de dirimir conflitos, aplicando e respeitando a lei, é redobrado o dever de acatar e cumprir a lei, sobretudo nas suas atribuições legais na gestão e disciplina dos magistrados judiciais, o que não foi minimamente observado pela Comissão Permanente do CSMJ, na sua deliberação de 25 de Julho, ao nomear os Juízes Presidentes das Comarcas de Benguela e do Huambo, nos termos em que o fez”.

O CSMJ actuou, adianta, “em flagrante afronta e violação da lei, na medida em que a Lei do CSMJ, Lei nº 14/11, de 18 de Março, não confere hoje qualquer atribuição legal ao CSMJ ou qualquer dos seus órgãos para nomear Juízes Presidentes dos Tribunais de Comarca, matéria que é hoje objecto de expressa regulação na LOFTJC [Lei Orgânica sobre Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum], Lei nº 29/22, de 29 de Agosto, que consagra para o efeito um regime legal objectivo de nomeação para o exercício da função de Juízes Presidente de Tribunal de Comarca, assente num critério de rotatividade com base e prevalência da antiguidade dos Magistrados Judiciais na categoria, na respectiva comarca”.

Nesse sentido, “por dever estatutário, a AJA repudia, com veemência, a postura assumida pela Comissão Permanente do CSMJ pela referida deliberação e insta o plenário do CSMJ a revogar a referida deliberação, fazendo vincar e prevalecer a lei”.

Aos associados e magistrados judiciais em geral, a AJA “insta e desafia a pautarem por uma postura íntegra e ética em defesa do primado da lei, da imagem do poder judicial e do Estado de direito e encoraja-os a rejeitarem qualquer actuação que desvirtue o critério da lei, quer para o exercício de funções dentro dos órgãos do CSMJ, nos tribunais e nos concursos de promoção na carreira, como no exercício da função de forma geral”.

“A AJA reafirma, por último, o seu compromisso firme e intransigente de pugnar pela defesa da legalidade, seja em que circunstâncias for, e para o caso da deliberação em referência não descarta a possibilidade de accionar os meios jurisdicionais para reverter a situação, caso em tempo razoável o Plenário do CSMJ não a sancione e reponha a legalidade”, sublinha o documento.

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